Desde 2021, a Justiça do Trabalho tem mantido demissões por justa causa de colaboradores que se recusaram a tomar a vacina contra a covid-19, em decisões de primeira e segunda instâncias. Entende-se que a conduta constitui falta grave por descumprimento de regras da empresa, já que a vacinação foi imposta como condição para o retorno ao trabalho presencial ou híbrido.
Segundo a Lei nº 13.919, de 2020, que discorre sobre as medidas emergenciais de combate ao coronavírus, as autoridades públicas possuem poder de adotar a vacinação compulsória contra a covid-19 – que foi decidida pelos ministros como obrigatória, com sanções que podem ser aplicadas por Estados e municípios àqueles que se recusarem (ADI 6586 e RE 12678 79). Houve, também, a suspensão da Portaria nº620, de 2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, que considerava discriminação a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos, além da demissão por justa causa pela recusa (ADPFs 898, 900, 901, 905 e 907).
A demissão por justa causa está prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e em sua aplicação o funcionário perde a maioria dos direitos de rescisão (como aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego), recebendo apenas o saldo salarial e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional. Os casos de recusa da vacina, em geral, são enquadrados na alínea “h”, tratando de ato de indisciplina ou insubordinação às regras da empresa.
Uma funcionária da Latam de Cuiabá que recusou tomar a vacina da covid-19 teve sua demissão por justa causa mantida em decisão favorável à companhia aérea. A vacinação tem sido incluída nas normas de medicina, segurança e saúde do trabalho, e a recusa significa descumprimento de regra interna da empresa, segundo o advogado que assessora a Latam, Luiz Antonio dos Santos Junior. Desde o início da vacinação em janeiro de 2021, a empresa fez treinamentos, campanhas de conscientização, abriu canal de comunicação e deu como prazo máximo para a vacinação o dia 31 de dezembro do mesmo ano – com exceção aos casos com atestado médico, de acordo com o advogado.
No caso da funcionária de Cuiabá, a defesa apresentada alegava a falta de vacinação por conta de uma alergia à proteína do ovo (substância usada em algumas vacinas), poucas informações sobre os efeitos colaterais e ainda que, ao se deparar com a possibilidade de demissão, decidiu tomar a vacina, mas foi obrigada a aguardar por ter Influenza A – período no qual foi dispensada. No entanto, o juiz Juliano Pedro Giradello, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, entendeu a recusa como falta grave.
Na decisão o juiz cita a Lei nº 13.919/2020 e os julgamentos do STF, afirmando que as alegações não foram convincentes, já que a vacina contra o coronavírus não possui a proteína do ovo em sua fórmula e, uma vez que as bulas das vacinas estão disponíveis na internet e há um canal de comunicação com a empresa, não haveria como a colaboradora alegar falta de informação. Além disso, não existem provas de que a funcionária estava gripada, porque o CID informado no atestado era de sinusite e, portanto, era possível que ela tomasse pelo menos a primeira dose (ou a dose única) no prazo dado pela companhia aérea.
Outros casos, como do professor de música de uma escola infantil que se reusou a tomar a vacina alegando não haver comprovação de sua eficácia, da auxiliar de limpeza hospitalar e do mecânico de refrigeração que não quiseram se vacinar, foram mantidos como justa causa – compreendendo que a segurança e bem-estar coletivo prevaleça sobre tais insubordinações.
De acordo com o advogado Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo, mesmo que existam precedentes para a manutenção dessa justa causa, ainda não há jurisprudência consolidada, dependendo da avaliação de cada situação. “Mas nos casos em que ficar demonstrado que a empresa tinha como regra clara a vacinação para todos, que fez programas de conscientização e deu um prazo razoável para os funcionários, a tendência é que a justa causa seja mantida”, diz.
Apenas em casos excepcionais essas demissões por justa causa têm sido revertidas, como foi o caso de uma colaboradora da Latam, que teve sua demissão por justa causa considerada arbitrária pela juíza Marcella Alves de Vilar, da 1ª Vara do Trabalho de Natal. Isso porque o fato da funcionária estar grávida justificaria uma maior tolerância. Com a decisão, a empresa foi condenada a pagar pelo período de estabilidade e a indenizar a ex-colaboradora em R$ 4,6 mil por danos morais (processos nº0000030-56.2022.5.21.0001).
O tema ainda não chegou a ser analisado no Tribunal Superior do Trabalho, mas segundo levantamento feito pela Data Lawyer Insights, a pedido do Valor Econômico, existem cerca de 1,6 mil processos discutindo justa causa e vacinação atualmente no Brasil.
*Conteúdo publicado originalmente em Valor Econômico.