EPIDEMIA DE BURNOUT NO BRASIL

27 de setembro de 2024

Em 2023, 421 pessoas foram afastadas do trabalho por burnout — é o maior número dos últimos dez anos no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social.

O aumento ocorreu, principalmente, durante a pandemia do coronavírus. De 178 afastamentos por burnout, em 2019, o Brasil passou para 421, em 2023, um aumento de 136%.

Segundo especialistas, três fatores ajudam a explicar este crescimento de diagnósticos de burnout no país:

  • Maior conhecimento da população sobre transtornos e síndromes relacionados ao trabalho, principalmente, a partir do reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) do burnout como uma síndrome ocupacional;
  • Maior nível de cobrança sobre trabalhadores no ambiente organizacional, o que culmina em pressão e estresse, desencadeadores de transtornos e síndromes;
  • E confusão de especialistas na hora de identificar se o paciente tem burnout ou outros transtornos mentais relacionados ao trabalho.

Hoje, estima-se que 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout, aponta Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra e porta-voz da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). "Mas nem todos os casos são identificados", diz a especialista.

No Brasil, as únicas estatísticas oficiais disponíveis em relação à síndrome de burnout são contabilizadas pelo Ministério da Previdência Social, que apenas afere os afastamentos do trabalho por mais de 15 dias. 

Os afastamentos por burnout por menos tempo não são contabilizados nas estatísticas oficiais.

Além disso, segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), atualmente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece que o médico é obrigado a provar que há uma relação entre o trabalho e o esgotamento profissional.

“Assim, pelo CFM, o médico psiquiatra somente pode afirmar que o paciente tem burnout se visitar pessoalmente o local de serviço e fizer nexo causal. Atendimentos apenas em consultórios não podem fazer tal diagnóstico”, diz Silva.

Bruno Chapadeiro Ribeiro, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Psicologia, Organizações, Saúde, Trabalho e Educação (Laposte) da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que o Brasil enfrenta atualmente uma epidemia não apenas de burnout, mas também de transtornos mentais relacionados ao trabalho — o INSS contabiliza casos de burnout e de transtornos mentais e comportamentais separadamente.

Dados do Ministério da Previdência Social apontam que, no ano passado, 27 trabalhadores foram afastados por dia devido a transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho. Um total de 10.028 auxílios-doenças foram concedidos por este motivo.

Para Ribeiro, o aumento de diagnósticos de burnout e de transtornos mentais relacionados ao trabalho ajuda a explicar um segundo fenômeno que ocorre no Brasil: o do crescimento de pedidos de demissão.

“Temos atravessado um momento histórico em que mais uma vez as relações e formas de trabalho têm sido questionadas, principalmente, por uma juventude de classe média insatisfeita com as formas com que o trabalho se organiza”, afirma Ribeiro.

“Nesse sentido, assistimos a fenômenos tais com o quiet quitting ou great resignation — termo utilizado para descrever a onda de demissões voluntárias do pós-pandemia — em que jovens altamente escolarizados pedem demissão de seus trabalhos por não verem mais sentido do trabalho e estarem à beira de um colapso por exaustão.”

Descrito pela primeira vez em 1974, pelo médico psicanalista alemão-americano Herbert Freudenberger, o termo burnout é oriundo de “burn out”, que, em inglês, significa “queimar por completo” ou “esgotamento”.

Ficou mais conhecido entre os trabalhadores a partir de 2022, quando a síndrome foi incorporada à lista de classificação internacional de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Entrou na lista como um dos fatores que influenciam o estado de saúde de uma pessoa ou a leva a buscar os serviços de saúde — mas que não são classificados como doenças ou condições de saúde.

Agora, quem é diagnosticado com burnout tem as mesmas garantias trabalhistas e previdenciárias previstas para doenças do trabalho, como lesão por esforço repetitivo (LER) e transtornos de ansiedade.

“Assim, o que anteriormente era entendido com um quadro de ansiedade aguda ou crônica relacionado ao trabalho, hoje, muitas vezes com o reconhecimento oficial da OMS, médicos diagnosticam como burnout”, ressalta Meleiro. "Isso faz com que tenhamos essa impressão de mais casos."

Segundo Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), organização dedicada à pesquisa, prevenção e tratamento do estresse, há um segundo fator: os diagnósticos equivocados de burnout.

“É muito comum vermos situações em que o burnout é confundido com a depressão no trabalho. Isso faz com que esse aumento de burnout também seja reflexo desse número de diagnósticos equivocados”, afirma Rossi.

Rossi explica que, para ser burnout, primeiro, os sintomas precisam estar relacionados ao trabalho. A especialista explica que o paciente precisa ter ao menos uma das três dimensões que caracterizam a síndrome:

  • Exaustão emocional: um cansaço profissional excessivo. Ocorre quando a pessoa percebe não tem mais a energia que seu trabalho requer.
  • Despersonalização: uma perda de sentimentos em relação a outras pessoas no trabalho, equipe ou clientes. É uma dimensão típica do burnout que o diferencia do estresse. 
  • Reduzida realização profissional: sensação de insatisfação que a pessoa passa a ter com ela própria e com a execução de seu trabalho, gerando sentimentos de incompetência e baixa autoestima.

Outro problema comum são empresas que lidam negativamente com um diagnóstico de burnout, pontuam especialistas. Isso faz com que muitos trabalhadores procurem ajuda especializada tardiamente, quando os sintomas estão mais graves ou desencadeando outros transtornos mentais, como a depressão.

Para Bruno Ribeiro, da UFF, é necessário um maior engajamento das empresas brasileiras para prevenir o burnout.

“A prevenção envolve mudanças na cultura da organização do trabalho, estabelecimento de restrições à exploração do desempenho individual, diminuição da intensidade de trabalho, diminuição da competitividade e busca de metas coletivas que incluam o bem-estar de cada um.”

*Artigo original da BBC Brasil.

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