Dentre várias mudanças culturais causadas pela pandemia do Covid-19, a implementação do trabalho à distância é uma das mais relevantes. Discussões acerca das jornadas híbridas ou da transição total ao regime home office fomentaram também o debate sobre as 40 horas semanais trabalhadas e sua eficiência.
O fenômeno da “grande renúncia” de 2021, no qual por volta de 4,5 milhões de trabalhadores nos Estados Unidos saíram ou trocaram de emprego por conta do esgotamento profissional (Síndrome de Burnout) que o trabalho provoca – condição oficializada na lista da Organização Mundial de Saúde (OMS) – contribuiu para que empresas experimentassem o novo modelo de trabalho.
É fato que países como Japão, Islândia, Bélgica e Nova Zelândia, mesmo antes da pandemia, já vinham testando a jornada reduzida de 32 horas de trabalho semanais sem alteração salarial: a tão comentada semana de 4 dias úteis. Mas essa mudança exige um planejamento cuidadoso com atenção à legislação e à cultura organizacional de cada empresa.
Algumas empresas optam por um novo contrato que prevê o período de 6 meses de experiência com a nova jornada, sem compromisso de manter a jornada mais curta caso não funcione bem, o que reduz os riscos do empregador ao conceder ao funcionário a opção da redução. Outra maneira de alinhar as expectativas das partes é a confecção de acordos individuais com os colaboradores que optarem pela semana de 4 dias, determinando o day off e as relocações das demandas.
Não há apenas uma maneira de reduzir horas laborais. Algumas empresas começam de forma incremental, começando com meio dia por semana. De forma semelhante, há funcionários que preferem trabalhar horas a mais ao longo da semana de 4 dias para garantir 1 dia inteiro de folga, ou reduzir horas diárias e manter os 5 dias trabalhados. O objetivo é manter 100% da remuneração e obrigação em apenas 80% das horas, segundo Charlotte Lockhart, cofundadora da 4 Day Week Global, organização sem fins lucrativos que auxilia na implementação dos cronogramas mais curtos em 6 países.
Para que a mudança funcione, é necessário entender qual maneira melhoraria a produtividade da equipe. Seria o day off ideal coletivo ou individual? No começo, meio ou final da semana? Para que a resposta seja a mais ajustada possível, cada empresa deve passar pelo processo de entender quais atividades são redundantes ou ineficientes, e repensar a organização e a cultura de prazos e entregas da empresa.
A revisão da cultura organizacional é de suma importância, e deve incluir o entendimento que o tempo livre do funcionário é valorizado para que este possa cuidar da sua saúde física e mental – o que significa que, durante as horas livres, não pode haver interferência do trabalho. Afinal, esse é o grande trunfo do novo modelo, a melhoria na saúde mental e no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
A verdade é que um dia a menos com estresse no trânsito, gastando menos com deslocamento e alimentação, com agenda livre para cuidar dos afazeres pessoais sem prejudicar o trabalho é percebido amplamente como qualidade de vida. Dessa forma, é uma excelente estratégia de retenção de talentos e aumento de produtividade e, consequentemente, de rendimento, já que o colaborador passa a ter mais disposição durante a jornada de trabalho.
Ainda são poucas as empresas no Brasil que aderiram ao novo modelo de dias úteis, quase que uma exclusividade das empresas de tecnologia, mas a discussão segue presente e incita debate sobre a condução das tarefas laborais em todos os setores. E, como qualquer mudança estrutural, só o tempo poderá provar se os frutos serão colhidos com sucesso.